O Espírito do Capitalismo - Parte I
A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
O espírito do capitalismo – Parte I
No título deste estudo usamos a frase, algo pretensiosa, o espírito do capitalismo. O que se entende por isso? A tentativa de dar qualquer definição para isso implica em certas dificuldades, inerentes à natureza deste tipo de investigação.
Se puder ser encontrado algo a que se possa aplicar esse termo, com algum significado compreensível, só poderá ser uma individualidade histórica, isto é, um complexo de elementos associados na realidade histórica que nós aglutinamos em um todo conceitual, do ponto de vista de seu significado cultural.
Tal conceituação histórica, contudo, uma vez que seu conteúdo se refere a um fenômeno significativo por sua individualidade única, não pode ser definida pela fórmula genus proximum, differentia specifica, mas deve ser montada gradualmente de suas partes individuais, tomadas da realidade histórica que a constituem. Por isso, o conceito final e definitivo não poderá ser encontrado no início, mas aparecerá no fim da investigação. Em outras palavras, devemos trabalhar, ao longo da discussão, para o seu principal resultado, ou seja, a melhor formulação conceitual do que se entende aqui por espírito do capitalismo, isto é, a melhor do ponto de vista que nos interessa aqui. Esse ponto de vista (do qual falaremos adiante) não é, de mais a mais, o único possível a partir do qual se podem analisar os fenômenos históricos que investigamos. Outros pontos de vista produziriam, para esse como para qualquer outro fenômeno histórico, outras características essenciais. Como resultado disso, não é necessário compreender como espírito do capitalismo somente aquilo que viria a significar para nós, para os propósitos da nossa análise.
Esse é um resultado necessário da natureza dos conceitos históricos que tentam, para suas finalidades metodológicas, apanhar a realidade histórica não em uma forma abstrata e geral, mas em concretos conjuntos genéticos de relações, inevitavelmente de caráter individual, e especificamente únicos.
Por isso, se tentarmos determinar o objeto, a análise e explicação histórica tentadas não podem ser feitas na forma de definição conceitual, mas, ao menos no início, como uma descrição provisória do que entendemos aqui por espírito do capitalismo. Tal descrição é entretanto indispensável para uma compreensão clara do objetivo da investigação. Com essa finalidade, remetemo-nos a um documento desse espírito, que contém, em uma pureza quase clássica, aquilo que buscamos – com a vantagem de ser ao mesmo tempo livre de qualquer relação direta com a religião, sendo pois, para os nossos propósitos, livre de preconceitos.
“Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou melhor, jogou fora mais cinco shillings".
“Lembre-se que o crédito é dinheiro. Se um homem deixa seu dinheiro em minhas mãos por mais tempo que o devido, está me dando os juros, ou tudo o que eu possa fazer com ele durante esse tempo. Isto atinge somas consideráveis quando alguém goza de bom e amplo crédito, e faz dele bom uso".
O espírito do capitalismo – Parte I
No título deste estudo usamos a frase, algo pretensiosa, o espírito do capitalismo. O que se entende por isso? A tentativa de dar qualquer definição para isso implica em certas dificuldades, inerentes à natureza deste tipo de investigação.
Se puder ser encontrado algo a que se possa aplicar esse termo, com algum significado compreensível, só poderá ser uma individualidade histórica, isto é, um complexo de elementos associados na realidade histórica que nós aglutinamos em um todo conceitual, do ponto de vista de seu significado cultural.
Tal conceituação histórica, contudo, uma vez que seu conteúdo se refere a um fenômeno significativo por sua individualidade única, não pode ser definida pela fórmula genus proximum, differentia specifica, mas deve ser montada gradualmente de suas partes individuais, tomadas da realidade histórica que a constituem. Por isso, o conceito final e definitivo não poderá ser encontrado no início, mas aparecerá no fim da investigação. Em outras palavras, devemos trabalhar, ao longo da discussão, para o seu principal resultado, ou seja, a melhor formulação conceitual do que se entende aqui por espírito do capitalismo, isto é, a melhor do ponto de vista que nos interessa aqui. Esse ponto de vista (do qual falaremos adiante) não é, de mais a mais, o único possível a partir do qual se podem analisar os fenômenos históricos que investigamos. Outros pontos de vista produziriam, para esse como para qualquer outro fenômeno histórico, outras características essenciais. Como resultado disso, não é necessário compreender como espírito do capitalismo somente aquilo que viria a significar para nós, para os propósitos da nossa análise.
Esse é um resultado necessário da natureza dos conceitos históricos que tentam, para suas finalidades metodológicas, apanhar a realidade histórica não em uma forma abstrata e geral, mas em concretos conjuntos genéticos de relações, inevitavelmente de caráter individual, e especificamente únicos.
Por isso, se tentarmos determinar o objeto, a análise e explicação histórica tentadas não podem ser feitas na forma de definição conceitual, mas, ao menos no início, como uma descrição provisória do que entendemos aqui por espírito do capitalismo. Tal descrição é entretanto indispensável para uma compreensão clara do objetivo da investigação. Com essa finalidade, remetemo-nos a um documento desse espírito, que contém, em uma pureza quase clássica, aquilo que buscamos – com a vantagem de ser ao mesmo tempo livre de qualquer relação direta com a religião, sendo pois, para os nossos propósitos, livre de preconceitos.
“Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou melhor, jogou fora mais cinco shillings".
“Lembre-se que o crédito é dinheiro. Se um homem deixa seu dinheiro em minhas mãos por mais tempo que o devido, está me dando os juros, ou tudo o que eu possa fazer com ele durante esse tempo. Isto atinge somas consideráveis quando alguém goza de bom e amplo crédito, e faz dele bom uso".
“Lembre-se que o dinheiro é de natureza prolífica e geradora. O dinheiro pode gerar dinheiro, e seu produto gerar mais, e assim por diante. Cinco shillings circulando são seis; circulando de novo são sete e três pence e assim por diante, até se tornarem cem libras. Quanto mais dele houver, mais produz a cada aplicação, de modo que seus juros aumentam cada vez mais rapidamente. Aquele que mata uma porca prenhe, destrói sua descendência até a milésima geração. Aquele que “mata” uma coroa, destrói tudo aquilo que poderia ter produzido, até muitas libras”.
“Lembre-se do ditado: O bom pagador é dono da bolsa alheia. Aquele que é conhecido por pagar exata e pontualmente na data prometida pode, a qualquer momento e em qualquer ocasião, levantar todo o dinheiro de que seus amigos possam dispor. Isso, por vezes, é de grande utilidade. Além da industriosidade e da frugalidade, nada contribui mais para a subida de um jovem na vida que a pontualidade e a justiça em todos os seus negócios; por isso, nunca mantenha dinheiro emprestado uma hora sequer além do tempo prometido, para que o desapontamento não feche para sempre, à bolsa de teus amigos”.
“As menores ações que possam afetar o crédito de um homem devem ser levadas em conta. O som do teu martelo às cinco da manhã ou às oito da noite, ouvido por um credor, te o tornará favorável por mais seis meses; mas se te vir à mesa de bilhar, ou ouvir tua voz na taverna quando deverias estar no trabalho, cobrará o dinheiro dele no dia seguinte, de uma vez, antes do tempo.”
“Isto mostra, entre outras coisas, que estás consciente daquilo que tens; fará com que pareças um homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu crédito.”
“Não te permitas pensar que tens de fato tudo o que possuis, e viver de acordo. Esse é um erro em que caem muitos que têm crédito. Para evitar isso, mantenha por algum tempo uma contabilidade exata de tuas despesas e tuas receitas. Se, de início te deres ao trabalho de mencionar os detalhes, isso terá este bom efeito: descobrirás que mesmo pequenas e insignificantes despesas se acumulam em grandes somas, e discernirás o que poderia ter sido e o que poderá ser, no futuro, poupado sem causar grandes inconvenientes”.
“Por seis libras anuais poderás desfrutar do uso de cem libras, desde que sejas um homem de reconhecida prudência e honestidade.”
“Aquele que gasta um groat por dia inutilmente, desperdiça mais de seis libras por ano, que seria o preço do uso de cem libras.”
“Aquele que desperdiça o valor de um groat de seu tempo por dia, um dia após o outro, desperdiça o privilégio de usar cem libras a cada dia.”
“Aquele que perde inutilmente o valor de cinco shillings de seu tempo, perde cinco shillings, e poderia com a mesma prudência tê-los jogados ao mar.”
“Aquele que perde cinco shillings, não perde apenas essa soma, mas também todas as vantagens que poderia obter investindo a em negócios, e que durante o tempo em que um jovem se torna um velho, se tornaria uma soma considerável”.
É Benjamin Franklin que nos admoesta com tais sentenças, as mesmas que Ferdinand Kürnberger satiriza em seu inteligente e malicioso Picture of American Culture, como uma suposta confissão de fé do yankee. Não há o que duvidar de que é o espírito do capitalismo que aqui se expressa de modo característico, conquanto estejamos longe de afirmar que tudo o que possamos entender como pertencente a ele esteja contido nisso.
Consideremos por um momento esta passagem, cuja filosofia foi resumida por Kümber nestas palavras: “Eles tiram sebo do gado e dinheiro dos homens”. A peculiaridade dessa filosofia de avareza parece ser o ideal dos homens honestos, de crédito reconhecido, e acima de tudo a idéia de dever que o indivíduo tem no sentido de aumentar o próprio capital, assumido como um fim a si mesmo. De fato, o que nos é aqui pregado não é apenas um meio de fazer a própria vida, mas uma ética peculiar. A infração de suas regras não é tratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Essa é a essência do exposto. Não se trata de mera astúcia de negócios, o que seria algo comum, mas de um ethos. E essa é a qualidade que nos interessa.
Quando Jacob Fugger, falando com um sócio de negócios que havia se aposentado e que tentava convencê-lo a fazer o mesmo, uma vez que já havia acumulado dinheiro suficiente e que poderia deixar a chance para outros, rejeitou a idéia como pusilânime e respondeu que “ele (Fugger) pensava diferente e procurava ganhar dinheiro enquanto pudesse”; o espírito dessa colocação é evidentemente bem diferente das de Franklin. Aquilo que no caso de Franklin foi uma expressão de audácia comercial e uma inclinação pessoal moralmente neutra assume nesse outro o caráter ético de uma regra de conduta de vida. O conceito de espírito do capitalismo é usado aqui no sentido específico de espírito do capitalismo moderno.
Pelo modo como estamos colocando o problema, é obvio que estamos nos referindo ao capitalismo da Europa Ocidental e da América do Norte. O capitalismo existiu na China, na índia, na Babilônia no mundo clássico e na Idade Média. Mas em todos esses casos, como veremos, o ethos particular faltou. Ora, todas as atitudes de Franklin são coloridas de utilitarismo. A honestidade é útil, pois assegura o crédito; e é assim com a pontualidade, com a industriosidade, com a frugalidade e essa é a razão pela qual são virtudes. Uma dedução lógica disso seria que a aparência de honestidade serviria ao mesmo propósito quando fosse suficiente, e um excesso desnecessário desta virtude pareceria, aos olhos de Franklin, um desperdício improdutivo. E de fato, a história de sua conversão para essas virtudes, na sua autobiografia, ou a discussão do valor da estrita manutenção das aparências de modéstia, da contínua diminuição dos próprios méritos para mais tarde conquistar o reconhecimento geral, confirmam tais impressões. De acordo com Franklin, tais virtudes, assim com as demais, só são virtudes a medida em que são úteis ao indivíduo, e a substituição pela mera aparência é sempre suficiente desde que atinja o fim desejado. E esta é a conclusão inevitável do utilitarismo estrito. A impressão que muitos alemães têm, de que as virtudes professadas pelo americanismo são pura hipocrisia parece confirmada por esse caso notável.
Porém o caso não é, como poderia parecer, tão simples. O próprio caráter de Benjamin Franklin, como transparece pela extraordinária candura de sua autobiografia, anula esta suspeita. A circunstância a que ele atribui seu reconhecimento da utilidade da virtude a uma revelação divina que queria encaminhá-lo na trilha da retidão, mostra que algo mais que mera ornamentação de motivos puramente egocêntricos encontra-se envolvida.
De fato, o summum bonum dessa ética, o ganhar mais e mais dinheiro, combinado com o afastamento estrito de todo prazer espontâneo de viver é, acima de tudo, completamente isento de qualquer mistura eudemonista, para não dizer hedonista; é pensado tão puramente como um fim em si mesmo, que do ponto de vista da felicidade ou da utilidade para o indivíduo parece algo transcendental e completamente irracional. O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como um meio para a satisfação de suas necessidades materiais. Essa inversão daquilo que chamamos de relação natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio guia do capitalismo, tanto quanto soa estranha para todas as pessoas que não estão sob a influência capitalista. Ela expressa ao mesmo tempo um tipo de sentimento que está intimamente ligado com certas idéias religiosas. Se, pois formularmos a pergunta por que devemos fazer dinheiro às custas dos homens, o próprio Benjamin Franklin, embora não fosse um deísta convicto, responde em sua autobiografia com uma citação da Bíblia que lhe fora inculcada pelo pai, rígido calvinista, em sua juventude: “Vês um homem diligente em seus afazeres? Ele estará acima dos reis”. (Provérbios 22; 29). O ganho de dinheiro na moderna ordem econômica é, desde que feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência em certo caminho; e essas eficiência e virtude são, como agora se tornou fácil de ver, o alfa e o ômega da verdadeira ética de Franklin, como foi expressa nos trechos citados, tanto quanto em todos os seus escritos, sem exceção.
Na verdade, essa idéia tão peculiar do dever do indivíduo em relação à carreira, que nos é familiar atualmente, mas na realidade tão pouco óbvia, é o que há de mais característico na ética social da cultura capitalista e, em certo sentido constitui sua base fundamental. É uma obrigação que se supõe que o indivíduo sinta, e desato sente, em relação ao conteúdo de sua atividade profissional, não importa qual seja, particularmente se ela se manifesta como uma utilização de suas capacidades pessoais ou apenas de suas posses materiais (capital).
Naturalmente, essa concepção não se manifestou apenas sob as condições capitalistas. Pelo contrário, mais tarde seguiremos suas origens em tempos anteriores ao advento do capitalismo. Naturalmente não afirmamos tampouco que a aceitação consciente de tais máximas éticas por parte dos indivíduos, quer empresários quer trabalhadores das modernas empresas capitalistas seja condição para a futura existência do capitalismo atual. A economia capitalista moderna é um imenso cosmos no qual o indivíduo nasce, e que se lhe afigura, ao menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterável, na qual ele tem de viver. Ela força o indivíduo, a medida que esse esteja envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de comportamento capitalistas. O fabricante que se opuser por longo tempo a essas normas será inevitavelmente eliminado do cenário econômico, tanto quanto um trabalhador que não possa ou não queira se adaptar às regras, que será jogado na rua, sem emprego.
Assim pois, o capitalismo atual, que veio para dominar a vida econômica, educa e seleciona os sujeitos de quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do mais apto.
Mas aqui podemos facilmente vislumbrar os limites do conceito de seleção como meio de explicação histórica. Para que um tal modo de vida, tão bem adaptado às peculiaridades do capitalismo, pudesse ser selecionado, isto é, viesse a sobrepujar os outros, ele teve de se originar em algum lugar, não em indivíduos isolados, mas como modo de vida de inteiros grupos humanos. Em relação à doutrina do mais ingênuo materialismo histórico, segundo a qual tais idéias se originaram como um reflexo ou como uma superestrutura da situação econômica, falaremos com mais detalhes a seguir. Nesse ponto, basta para os nossos propósitos chamar a atenção para o fato de que, sem duvidar, no lugar de nascimento de Benjamin Franklin (Massachusetts) o espírito do capitalismo, (no sentido adotado) estava presente antes da ordem capitalista. Havia queixas contra uma habilidade peculiar de cálculo para obtenção de lucro na Nova Inglaterra, que se distinguia das outras partes da América, desde os idos de 1632. Está fora de questão que o capitalismo permaneceu, de longe, menos desenvolvido em algumas das colônias vizinhas, que depois se tornariam os estados do sul dos Estados Unidos da América, a despeito do fato de que essas últimas foram fundadas por grandes capitalistas por motivos comerciais, enquanto as colônias da Nova Inglaterra foram fundadas por pregadores e graduados com a ajuda de pequenos burgueses, artesãos e yoemen por motivos religiosos. Nesse caso, a relação causal é certamente o inverso daquela sugerida pelo ponto de vista materialista.
A origem e a história de tais idéias é porém muito mais complexa do que supõem os teóricos da superestrutura. O espírito do capitalismo, no sentido em que usamos o termo, teve de lutar por sua supremacia contra um mundo inteiro de forças hostis.
Um estado mental como aquele expresso nas passagens citadas de Franklin, que arrancaram aplausos de um povo inteiro, tanto no tempo antigo como na Idade Média teria sido proscrito como o mais baixo tipo de avareza e como uma atitude completamente isenta de respeito próprio. E de fato é ainda vista assim por todos os grupos sociais que estão pouco envolvidos ou adaptados às condições do capitalismo moderno. E isso não devido ao fato de o instinto de aquisição ser desconhecido ou pouco desenvolvido naqueles tempos, como foi aventado muitas vezes. Tampouco porque a auri sacra fames, a fome de riqueza fosse, ontem como hoje, menos poderosa fora do capitalismo burguês do que dentro de sua esfera de ação, como nos quer fazer crer a ilusão dos modernos românticos. A diferença entre o espírito pré-capitalista e o capitalista não deve ser encontrada nesse ponto. A avidez do mandarim chinês, do antigo aristocrata romano ou do moderno camponês pode suportar qualquer comparação.
E a auri sacra fames de um barqueiro napolitano, o barcaiolo, e certamente dos representantes asiáticos de semelhantes atividades, tanto quanto a dos artesãos dos países do sul da Europa e da Ásia é, como cada um poderá verificar por si, muito mais intensa, e especialmente menos escrupulosa do que, digamos, a de um inglês em circunstâncias similares.
O predomínio universal da absoluta falta de escrúpulos na ocupação de interesses egoístas na obtenção do dinheiro tem sido uma característica daqueles países cujo desenvolvimento burguês capitalista, medido pelos padrões ocidentais, permaneceu atrasado.
Como todo empregador sabe, a falta de consciência dos trabalhadores desses países, por exemplo, da Itália se comparada com a Alemanha, foi e ainda é em certa medida o principal obstáculo ao seu desenvolvimento capitalista. O capitalismo não pode se utilizar do trabalho daqueles que praticam a doutrina da liberum arbitrium indisciplinado, e menos ainda pode usar os homens de negócios que pareçam absolutamente inescrupulosos ao lidar com outros, como aprendemos de Franklin. Por isso, a diferença não está no grau de desenvolvimento de qualquer impulso de ganhar dinheiro. A auri sacra fames é tão velha quanto a história do homem. Veremos, porém, que aqueles que a ela se entregam sem reservas, como a um impulso descontrolado, como aquele capitão de mar holandês que “atravessaria o inferno por lucro, mesmo que chamuscasse suas velas”, não são de fato os representantes daquela atitude mental da qual deriva especificamente o espírito do moderno capitalismo, como fenômeno de massa, que é o que interessa. Em todos os períodos históricos, sempre que foi possível houve a aquisição cruel, desligada de qualquer norma ética. Como a guerra e a pirataria, o comércio tem sido, muitas vezes, irrestrito em suas relações com estrangeiros e com os externos ao grupo. A dupla ética permitiu o que era proibido negociar entre irmãos.
A aquisição capitalista aventureira tem sido familiar em todos os tipos de sociedade econômica que conheceram o comércio com o uso do dinheiro e que ofereciam oportunidades mediante comenda, exploração de impostos, empréstimos de Estado, financiamento de guerras, cortes ducais e cargos públicos. Do mesmo modo, a atitude interior do aventureiro, que zomba de qualquer limitação ética, tem sido universal. A implacabilidade absoluta e voluntária na aquisição tem muitas vezes estado estritamente ligada à mais rígida conformidade com a tradição. De mais a mais, com o colapso do tradicionalismo e a quase total extensão da livre empresa econômica, mesmo no interior do grupo social, a novidade não foi, no geral, eticamente justificada e encorajada, mas apenas tolerada como um fato. E tal fato tem sido tratado como eticamente indiferente ou como repreensível, mas infelizmente inevitável. Isto não tem sido apenas a atitude normal de todos os ensinamentos éticos mas, o que é mais importante, expresso também na ação prática do homem médio dos tempos pré-capitalistas, pré-capitalistas no sentido de que a utilização racional do capital em empresas estáveis e a organização racional capitalista do trabalho não haviam ainda se tornado as forças dominantes na determinação da atividade econômica. Ora foi justamente essa atitude que constituiu um dos mais fortes obstáculos internos encontrados por toda parte pela adaptação do homem às condições de uma economia burguesa capitalista ordenada.
O mais importante oponente contra o qual o espírito do capitalismo, entendido como um padrão de vida definido e que clama por sanções éticas, teve de lutar, foi esse tipo de atitude e reação contra as novas situações, que poderemos designar como tradicionalismo. Também nesse caso, qualquer tentativa de definição final deve ser mantida em suspenso. Devemos, por outro lado, tentar dar um sentido provisório claro, citando alguns casos. Começaremos por baixo, pelos trabalhadores.
Um dos meios técnicos de que os empregadores modernos lançam mão para garantir o maior volume possível de trabalho de seus homens é o sistema de pagamento por tarefa. Na agricultura, por exemplo, a colheita é um caso em que se requer a maior intensidade possível de trabalho, e, dada a possível instabilidade do tempo, a diferença entre bons lucros e grandes perdas pode depender da velocidade da colheita. Assim, o sistema de pagamento por tarefa é quase universal neste caso. E a medida que o interesse do empregador em acelerar a colheita aumenta com o aumentar dos resultados e da intensidade do trabalho, tem sido feita repetidamente a tentativa, aumentando o valor da tarefa dos trabalhadores, dando lhes assim a oportunidade de ganhar o que seria para eles altos salários e de interessá-los em aumentar sua eficiência. Mas com uma freqüência surpreendente, foi encontrada uma dificuldade peculiar: o aumento do valor da tarefa resultou, muitas vezes, não no aumento, mas no decréscimo do obtido no mesmo tempo, pois os trabalhadores reagiram não aumentando, mas diminuindo o volume de trabalho. Por exemplo, um homem que ganha 1 marco por acre ceifado, ceifa 2 e 1/2 acres por dia e ganha dois marcos e meio por dia; quando o valor da tarefa foi aumentado para 1,25 marcos por acre ceifado, não ceifou 3 acres, como poderia ter feito facilmente, ganhando 3,75 marcos, mas ceifou apenas 2 acres de modo a continuar ganhando os 2,5 marcos a que estava acostumado. A oportunidade de ganhar mais foi menos atraente do que trabalhar menos. Ele não se perguntava: quanto poderia ganhar em um dia se eu fizesse o maior trabalho possível? Em vez disso, perguntava se: quanto devo trabalhar para ganhar o salário, de 2,5 marcos que eu ganhava antes e que bastava para as minhas necessidades tradicionais?
Este é um exemplo do que queremos significar aqui por tradicionalismo. O homem não deseja “naturalmente” ganhar mais e mais dinheiro, mas viver simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o necessário para isso. Onde quer que o capitalismo moderno tenha começado sua ação de aumentar a produtividade do trabalho humano aumentando sua intensidade, tem encontrado a teimosíssima resistência desse traço orientador do trabalho pré-capitalista. E ainda hoje a encontra, e por mais atrasadas que sejam as forças de trabalho (do ponto de vista capitalista) com que tenha de lidar.
Para voltar ao nosso exemplo, outra possibilidade óbvia, visto que o apelo para o instinto aquisitivo através de maiores salários falhou, teria sido tentar a política oposta, para forçar o trabalhador, reduzindo o valor da tarefa, a trabalhar mais para ganhar o mesmo dinheiro que ganhava antes. Baixos salários e altos lucros, até nossos dias, parecem, para um observador superficial, estar relacionados; tudo o que é pago em salários parece envolver uma redução de lucros correspondente. Desde seu início, o capitalismo trilhou repetidas vezes esse caminho. Durante séculos foi artigo de fé que baixos salários eram produtivos, isto é, que aumentavam os resultados materiais do trabalho, tanto que, como veremos, em relação a isso Pieter de la Cour dizia há muito tempo, quase no espírito do antigo calvinismo, que as pessoas só trabalhavam porque e enquanto eram pobres.
Mas a eficácia desse método, aparentemente tão eficiente, tem seus limites. Obviamente, um excesso de mão de obra que possa ser empregada a baixo preço no mercado de trabalho é uma necessidade para o desenvolvimento do capitalismo. Mas, embora tão grande exército de reserva possa em certos casos favorecer a expansão quantitativa, ele desafia seu desenvolvimento qualitativo, especialmente para as empresas que fazem uso mais intensivo do trabalho. Baixos salários não são sinônimo de trabalho barato. De um ponto de vista puramente quantitativo, a eficiência do trabalho diminui com um salário que seja fisiologicamente insuficiente, que, a longo prazo, signifique a sobrevivência da inépcia.
“Lembre-se do ditado: O bom pagador é dono da bolsa alheia. Aquele que é conhecido por pagar exata e pontualmente na data prometida pode, a qualquer momento e em qualquer ocasião, levantar todo o dinheiro de que seus amigos possam dispor. Isso, por vezes, é de grande utilidade. Além da industriosidade e da frugalidade, nada contribui mais para a subida de um jovem na vida que a pontualidade e a justiça em todos os seus negócios; por isso, nunca mantenha dinheiro emprestado uma hora sequer além do tempo prometido, para que o desapontamento não feche para sempre, à bolsa de teus amigos”.
“As menores ações que possam afetar o crédito de um homem devem ser levadas em conta. O som do teu martelo às cinco da manhã ou às oito da noite, ouvido por um credor, te o tornará favorável por mais seis meses; mas se te vir à mesa de bilhar, ou ouvir tua voz na taverna quando deverias estar no trabalho, cobrará o dinheiro dele no dia seguinte, de uma vez, antes do tempo.”
“Isto mostra, entre outras coisas, que estás consciente daquilo que tens; fará com que pareças um homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu crédito.”
“Não te permitas pensar que tens de fato tudo o que possuis, e viver de acordo. Esse é um erro em que caem muitos que têm crédito. Para evitar isso, mantenha por algum tempo uma contabilidade exata de tuas despesas e tuas receitas. Se, de início te deres ao trabalho de mencionar os detalhes, isso terá este bom efeito: descobrirás que mesmo pequenas e insignificantes despesas se acumulam em grandes somas, e discernirás o que poderia ter sido e o que poderá ser, no futuro, poupado sem causar grandes inconvenientes”.
“Por seis libras anuais poderás desfrutar do uso de cem libras, desde que sejas um homem de reconhecida prudência e honestidade.”
“Aquele que gasta um groat por dia inutilmente, desperdiça mais de seis libras por ano, que seria o preço do uso de cem libras.”
“Aquele que desperdiça o valor de um groat de seu tempo por dia, um dia após o outro, desperdiça o privilégio de usar cem libras a cada dia.”
“Aquele que perde inutilmente o valor de cinco shillings de seu tempo, perde cinco shillings, e poderia com a mesma prudência tê-los jogados ao mar.”
“Aquele que perde cinco shillings, não perde apenas essa soma, mas também todas as vantagens que poderia obter investindo a em negócios, e que durante o tempo em que um jovem se torna um velho, se tornaria uma soma considerável”.
É Benjamin Franklin que nos admoesta com tais sentenças, as mesmas que Ferdinand Kürnberger satiriza em seu inteligente e malicioso Picture of American Culture, como uma suposta confissão de fé do yankee. Não há o que duvidar de que é o espírito do capitalismo que aqui se expressa de modo característico, conquanto estejamos longe de afirmar que tudo o que possamos entender como pertencente a ele esteja contido nisso.
Consideremos por um momento esta passagem, cuja filosofia foi resumida por Kümber nestas palavras: “Eles tiram sebo do gado e dinheiro dos homens”. A peculiaridade dessa filosofia de avareza parece ser o ideal dos homens honestos, de crédito reconhecido, e acima de tudo a idéia de dever que o indivíduo tem no sentido de aumentar o próprio capital, assumido como um fim a si mesmo. De fato, o que nos é aqui pregado não é apenas um meio de fazer a própria vida, mas uma ética peculiar. A infração de suas regras não é tratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Essa é a essência do exposto. Não se trata de mera astúcia de negócios, o que seria algo comum, mas de um ethos. E essa é a qualidade que nos interessa.
Quando Jacob Fugger, falando com um sócio de negócios que havia se aposentado e que tentava convencê-lo a fazer o mesmo, uma vez que já havia acumulado dinheiro suficiente e que poderia deixar a chance para outros, rejeitou a idéia como pusilânime e respondeu que “ele (Fugger) pensava diferente e procurava ganhar dinheiro enquanto pudesse”; o espírito dessa colocação é evidentemente bem diferente das de Franklin. Aquilo que no caso de Franklin foi uma expressão de audácia comercial e uma inclinação pessoal moralmente neutra assume nesse outro o caráter ético de uma regra de conduta de vida. O conceito de espírito do capitalismo é usado aqui no sentido específico de espírito do capitalismo moderno.
Pelo modo como estamos colocando o problema, é obvio que estamos nos referindo ao capitalismo da Europa Ocidental e da América do Norte. O capitalismo existiu na China, na índia, na Babilônia no mundo clássico e na Idade Média. Mas em todos esses casos, como veremos, o ethos particular faltou. Ora, todas as atitudes de Franklin são coloridas de utilitarismo. A honestidade é útil, pois assegura o crédito; e é assim com a pontualidade, com a industriosidade, com a frugalidade e essa é a razão pela qual são virtudes. Uma dedução lógica disso seria que a aparência de honestidade serviria ao mesmo propósito quando fosse suficiente, e um excesso desnecessário desta virtude pareceria, aos olhos de Franklin, um desperdício improdutivo. E de fato, a história de sua conversão para essas virtudes, na sua autobiografia, ou a discussão do valor da estrita manutenção das aparências de modéstia, da contínua diminuição dos próprios méritos para mais tarde conquistar o reconhecimento geral, confirmam tais impressões. De acordo com Franklin, tais virtudes, assim com as demais, só são virtudes a medida em que são úteis ao indivíduo, e a substituição pela mera aparência é sempre suficiente desde que atinja o fim desejado. E esta é a conclusão inevitável do utilitarismo estrito. A impressão que muitos alemães têm, de que as virtudes professadas pelo americanismo são pura hipocrisia parece confirmada por esse caso notável.
Porém o caso não é, como poderia parecer, tão simples. O próprio caráter de Benjamin Franklin, como transparece pela extraordinária candura de sua autobiografia, anula esta suspeita. A circunstância a que ele atribui seu reconhecimento da utilidade da virtude a uma revelação divina que queria encaminhá-lo na trilha da retidão, mostra que algo mais que mera ornamentação de motivos puramente egocêntricos encontra-se envolvida.
De fato, o summum bonum dessa ética, o ganhar mais e mais dinheiro, combinado com o afastamento estrito de todo prazer espontâneo de viver é, acima de tudo, completamente isento de qualquer mistura eudemonista, para não dizer hedonista; é pensado tão puramente como um fim em si mesmo, que do ponto de vista da felicidade ou da utilidade para o indivíduo parece algo transcendental e completamente irracional. O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como um meio para a satisfação de suas necessidades materiais. Essa inversão daquilo que chamamos de relação natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio guia do capitalismo, tanto quanto soa estranha para todas as pessoas que não estão sob a influência capitalista. Ela expressa ao mesmo tempo um tipo de sentimento que está intimamente ligado com certas idéias religiosas. Se, pois formularmos a pergunta por que devemos fazer dinheiro às custas dos homens, o próprio Benjamin Franklin, embora não fosse um deísta convicto, responde em sua autobiografia com uma citação da Bíblia que lhe fora inculcada pelo pai, rígido calvinista, em sua juventude: “Vês um homem diligente em seus afazeres? Ele estará acima dos reis”. (Provérbios 22; 29). O ganho de dinheiro na moderna ordem econômica é, desde que feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência em certo caminho; e essas eficiência e virtude são, como agora se tornou fácil de ver, o alfa e o ômega da verdadeira ética de Franklin, como foi expressa nos trechos citados, tanto quanto em todos os seus escritos, sem exceção.
Na verdade, essa idéia tão peculiar do dever do indivíduo em relação à carreira, que nos é familiar atualmente, mas na realidade tão pouco óbvia, é o que há de mais característico na ética social da cultura capitalista e, em certo sentido constitui sua base fundamental. É uma obrigação que se supõe que o indivíduo sinta, e desato sente, em relação ao conteúdo de sua atividade profissional, não importa qual seja, particularmente se ela se manifesta como uma utilização de suas capacidades pessoais ou apenas de suas posses materiais (capital).
Naturalmente, essa concepção não se manifestou apenas sob as condições capitalistas. Pelo contrário, mais tarde seguiremos suas origens em tempos anteriores ao advento do capitalismo. Naturalmente não afirmamos tampouco que a aceitação consciente de tais máximas éticas por parte dos indivíduos, quer empresários quer trabalhadores das modernas empresas capitalistas seja condição para a futura existência do capitalismo atual. A economia capitalista moderna é um imenso cosmos no qual o indivíduo nasce, e que se lhe afigura, ao menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterável, na qual ele tem de viver. Ela força o indivíduo, a medida que esse esteja envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de comportamento capitalistas. O fabricante que se opuser por longo tempo a essas normas será inevitavelmente eliminado do cenário econômico, tanto quanto um trabalhador que não possa ou não queira se adaptar às regras, que será jogado na rua, sem emprego.
Assim pois, o capitalismo atual, que veio para dominar a vida econômica, educa e seleciona os sujeitos de quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do mais apto.
Mas aqui podemos facilmente vislumbrar os limites do conceito de seleção como meio de explicação histórica. Para que um tal modo de vida, tão bem adaptado às peculiaridades do capitalismo, pudesse ser selecionado, isto é, viesse a sobrepujar os outros, ele teve de se originar em algum lugar, não em indivíduos isolados, mas como modo de vida de inteiros grupos humanos. Em relação à doutrina do mais ingênuo materialismo histórico, segundo a qual tais idéias se originaram como um reflexo ou como uma superestrutura da situação econômica, falaremos com mais detalhes a seguir. Nesse ponto, basta para os nossos propósitos chamar a atenção para o fato de que, sem duvidar, no lugar de nascimento de Benjamin Franklin (Massachusetts) o espírito do capitalismo, (no sentido adotado) estava presente antes da ordem capitalista. Havia queixas contra uma habilidade peculiar de cálculo para obtenção de lucro na Nova Inglaterra, que se distinguia das outras partes da América, desde os idos de 1632. Está fora de questão que o capitalismo permaneceu, de longe, menos desenvolvido em algumas das colônias vizinhas, que depois se tornariam os estados do sul dos Estados Unidos da América, a despeito do fato de que essas últimas foram fundadas por grandes capitalistas por motivos comerciais, enquanto as colônias da Nova Inglaterra foram fundadas por pregadores e graduados com a ajuda de pequenos burgueses, artesãos e yoemen por motivos religiosos. Nesse caso, a relação causal é certamente o inverso daquela sugerida pelo ponto de vista materialista.
A origem e a história de tais idéias é porém muito mais complexa do que supõem os teóricos da superestrutura. O espírito do capitalismo, no sentido em que usamos o termo, teve de lutar por sua supremacia contra um mundo inteiro de forças hostis.
Um estado mental como aquele expresso nas passagens citadas de Franklin, que arrancaram aplausos de um povo inteiro, tanto no tempo antigo como na Idade Média teria sido proscrito como o mais baixo tipo de avareza e como uma atitude completamente isenta de respeito próprio. E de fato é ainda vista assim por todos os grupos sociais que estão pouco envolvidos ou adaptados às condições do capitalismo moderno. E isso não devido ao fato de o instinto de aquisição ser desconhecido ou pouco desenvolvido naqueles tempos, como foi aventado muitas vezes. Tampouco porque a auri sacra fames, a fome de riqueza fosse, ontem como hoje, menos poderosa fora do capitalismo burguês do que dentro de sua esfera de ação, como nos quer fazer crer a ilusão dos modernos românticos. A diferença entre o espírito pré-capitalista e o capitalista não deve ser encontrada nesse ponto. A avidez do mandarim chinês, do antigo aristocrata romano ou do moderno camponês pode suportar qualquer comparação.
E a auri sacra fames de um barqueiro napolitano, o barcaiolo, e certamente dos representantes asiáticos de semelhantes atividades, tanto quanto a dos artesãos dos países do sul da Europa e da Ásia é, como cada um poderá verificar por si, muito mais intensa, e especialmente menos escrupulosa do que, digamos, a de um inglês em circunstâncias similares.
O predomínio universal da absoluta falta de escrúpulos na ocupação de interesses egoístas na obtenção do dinheiro tem sido uma característica daqueles países cujo desenvolvimento burguês capitalista, medido pelos padrões ocidentais, permaneceu atrasado.
Como todo empregador sabe, a falta de consciência dos trabalhadores desses países, por exemplo, da Itália se comparada com a Alemanha, foi e ainda é em certa medida o principal obstáculo ao seu desenvolvimento capitalista. O capitalismo não pode se utilizar do trabalho daqueles que praticam a doutrina da liberum arbitrium indisciplinado, e menos ainda pode usar os homens de negócios que pareçam absolutamente inescrupulosos ao lidar com outros, como aprendemos de Franklin. Por isso, a diferença não está no grau de desenvolvimento de qualquer impulso de ganhar dinheiro. A auri sacra fames é tão velha quanto a história do homem. Veremos, porém, que aqueles que a ela se entregam sem reservas, como a um impulso descontrolado, como aquele capitão de mar holandês que “atravessaria o inferno por lucro, mesmo que chamuscasse suas velas”, não são de fato os representantes daquela atitude mental da qual deriva especificamente o espírito do moderno capitalismo, como fenômeno de massa, que é o que interessa. Em todos os períodos históricos, sempre que foi possível houve a aquisição cruel, desligada de qualquer norma ética. Como a guerra e a pirataria, o comércio tem sido, muitas vezes, irrestrito em suas relações com estrangeiros e com os externos ao grupo. A dupla ética permitiu o que era proibido negociar entre irmãos.
A aquisição capitalista aventureira tem sido familiar em todos os tipos de sociedade econômica que conheceram o comércio com o uso do dinheiro e que ofereciam oportunidades mediante comenda, exploração de impostos, empréstimos de Estado, financiamento de guerras, cortes ducais e cargos públicos. Do mesmo modo, a atitude interior do aventureiro, que zomba de qualquer limitação ética, tem sido universal. A implacabilidade absoluta e voluntária na aquisição tem muitas vezes estado estritamente ligada à mais rígida conformidade com a tradição. De mais a mais, com o colapso do tradicionalismo e a quase total extensão da livre empresa econômica, mesmo no interior do grupo social, a novidade não foi, no geral, eticamente justificada e encorajada, mas apenas tolerada como um fato. E tal fato tem sido tratado como eticamente indiferente ou como repreensível, mas infelizmente inevitável. Isto não tem sido apenas a atitude normal de todos os ensinamentos éticos mas, o que é mais importante, expresso também na ação prática do homem médio dos tempos pré-capitalistas, pré-capitalistas no sentido de que a utilização racional do capital em empresas estáveis e a organização racional capitalista do trabalho não haviam ainda se tornado as forças dominantes na determinação da atividade econômica. Ora foi justamente essa atitude que constituiu um dos mais fortes obstáculos internos encontrados por toda parte pela adaptação do homem às condições de uma economia burguesa capitalista ordenada.
O mais importante oponente contra o qual o espírito do capitalismo, entendido como um padrão de vida definido e que clama por sanções éticas, teve de lutar, foi esse tipo de atitude e reação contra as novas situações, que poderemos designar como tradicionalismo. Também nesse caso, qualquer tentativa de definição final deve ser mantida em suspenso. Devemos, por outro lado, tentar dar um sentido provisório claro, citando alguns casos. Começaremos por baixo, pelos trabalhadores.
Um dos meios técnicos de que os empregadores modernos lançam mão para garantir o maior volume possível de trabalho de seus homens é o sistema de pagamento por tarefa. Na agricultura, por exemplo, a colheita é um caso em que se requer a maior intensidade possível de trabalho, e, dada a possível instabilidade do tempo, a diferença entre bons lucros e grandes perdas pode depender da velocidade da colheita. Assim, o sistema de pagamento por tarefa é quase universal neste caso. E a medida que o interesse do empregador em acelerar a colheita aumenta com o aumentar dos resultados e da intensidade do trabalho, tem sido feita repetidamente a tentativa, aumentando o valor da tarefa dos trabalhadores, dando lhes assim a oportunidade de ganhar o que seria para eles altos salários e de interessá-los em aumentar sua eficiência. Mas com uma freqüência surpreendente, foi encontrada uma dificuldade peculiar: o aumento do valor da tarefa resultou, muitas vezes, não no aumento, mas no decréscimo do obtido no mesmo tempo, pois os trabalhadores reagiram não aumentando, mas diminuindo o volume de trabalho. Por exemplo, um homem que ganha 1 marco por acre ceifado, ceifa 2 e 1/2 acres por dia e ganha dois marcos e meio por dia; quando o valor da tarefa foi aumentado para 1,25 marcos por acre ceifado, não ceifou 3 acres, como poderia ter feito facilmente, ganhando 3,75 marcos, mas ceifou apenas 2 acres de modo a continuar ganhando os 2,5 marcos a que estava acostumado. A oportunidade de ganhar mais foi menos atraente do que trabalhar menos. Ele não se perguntava: quanto poderia ganhar em um dia se eu fizesse o maior trabalho possível? Em vez disso, perguntava se: quanto devo trabalhar para ganhar o salário, de 2,5 marcos que eu ganhava antes e que bastava para as minhas necessidades tradicionais?
Este é um exemplo do que queremos significar aqui por tradicionalismo. O homem não deseja “naturalmente” ganhar mais e mais dinheiro, mas viver simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o necessário para isso. Onde quer que o capitalismo moderno tenha começado sua ação de aumentar a produtividade do trabalho humano aumentando sua intensidade, tem encontrado a teimosíssima resistência desse traço orientador do trabalho pré-capitalista. E ainda hoje a encontra, e por mais atrasadas que sejam as forças de trabalho (do ponto de vista capitalista) com que tenha de lidar.
Para voltar ao nosso exemplo, outra possibilidade óbvia, visto que o apelo para o instinto aquisitivo através de maiores salários falhou, teria sido tentar a política oposta, para forçar o trabalhador, reduzindo o valor da tarefa, a trabalhar mais para ganhar o mesmo dinheiro que ganhava antes. Baixos salários e altos lucros, até nossos dias, parecem, para um observador superficial, estar relacionados; tudo o que é pago em salários parece envolver uma redução de lucros correspondente. Desde seu início, o capitalismo trilhou repetidas vezes esse caminho. Durante séculos foi artigo de fé que baixos salários eram produtivos, isto é, que aumentavam os resultados materiais do trabalho, tanto que, como veremos, em relação a isso Pieter de la Cour dizia há muito tempo, quase no espírito do antigo calvinismo, que as pessoas só trabalhavam porque e enquanto eram pobres.
Mas a eficácia desse método, aparentemente tão eficiente, tem seus limites. Obviamente, um excesso de mão de obra que possa ser empregada a baixo preço no mercado de trabalho é uma necessidade para o desenvolvimento do capitalismo. Mas, embora tão grande exército de reserva possa em certos casos favorecer a expansão quantitativa, ele desafia seu desenvolvimento qualitativo, especialmente para as empresas que fazem uso mais intensivo do trabalho. Baixos salários não são sinônimo de trabalho barato. De um ponto de vista puramente quantitativo, a eficiência do trabalho diminui com um salário que seja fisiologicamente insuficiente, que, a longo prazo, signifique a sobrevivência da inépcia.
O silesiano médio de nossos dias ceifa, quando exige o máximo de si, pouco mais que dois terços da terra que um pomeraniano ou um mecklemburguês, mais bem pagos e alimentados, e o polonês, quanto mais oriental for sua origem, produz progressivamente menos que o alemão. A política de baixos salários falha mesmo de um ponto de vista puramente comercial sempre que a questão de produzir bens que exijam qualquer tipo de trabalho especializado, ou o uso de maquinaria cara e facilmente danificável, ou, em geral, sempre que se requeira grande dose de atenção aguda ou de iniciativa. Nesses casos, os baixos salários não compensam, e seus efeitos são opostos ao que se pretendia. E isso não apenas porque é absolutamente indispensável um senso de responsabilidade, mas, em geral, também uma atitude, ao menos durante as horas de trabalho, livre de contínuos cálculos de como poder ganhar o salário habitual, com o maior conforto e o menor esforço possíveis. Ao contrário, o trabalho deve ser executado como se fosse um fim absoluto em si mesmo, como uma vocação. Contudo, tal atitude não é produto da natureza. Não pode ser estimulada apenas por baixos ou altos salários, mas só pode ser produzida por um longo e árduo processo educativo.
RETORNAR AO ÍNDICE DE A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
2 Comments:
Pena que a parte dois nao foi postada, muito bom mesmo.
GOSTEI BASTANTE DESSE ARTIGO. PARABENS PASTOR!FOI ENRIQUECEDOR LER ELE.
Postar um comentário
<< Home